14 dezembro 2023

Presépio da Família Nogueira: 80 Anos + crônica de Wilson Chaves


Esse Presépio é montado há 80 anos, pela Família dos Nogueira
Encontro Marcado, por Wilson Chaves:

A interligação entre as Ruas do Pito e Rua da Palha obrigatoriamente passava pela lendária Praça Ribeiro Leite. Os meninos faziam do local um ponto de encontro para organizar as brincadeiras permitidas devido a inclinação do local, inservível, por exemplo, para disputar as lamosas partidas do futebol. Uma Praça antiga cheia de historias e tradições.

O local já contou com uma garagem de ônibus fazendo a linha direta entre Santa Branca - São Paulo cumprindo dois horários diariamente. Habitantes famosos moravam nesta região central da cidade. Mário Leite (Mário da Luz) com era popularmente conhecido era o chele do escritório comercial da Light and Power. Um local intrigante para abrigar um escritório, segundo imaginação de menino. O escritório continha muitos avisos e recados grafados em pequenas tabuletas com aconselhamentos para evitar acidentes. Uma sala pequena cujo teto existiam ganchos e arames que sustentavam pelo menos uma dúzia de gaiolas com passarinhos de várias espécies, como uma exposição as pessoas que se dirigiam ao local. Mário da Luz tinha um semblante meio esquisito lembrando o pensador "Carlos Drummond de Andrade". Um velho carimbo de metal batia forte no papel da conta de luz identificando o pagamento do débito. Homem de semblante sisudo mirava a gente com olhar firme sempre mascando um pequeno palito de madeira. Mais acima ficava o casarão sede dos serviços de telefonia de Santa Branca. A Praça era circundada por vários postes de madeira com enormes cruzetas abrigando centenas de fios telefónicos de onde partiam as ligações para os usuários e assinantes. Não raro era verificar a caminhada calma do famoso Joaquim Nogueira, (Joaquim do Telefone) caminhando com uma vara de madeira apoiada nos ombros, ferramenta utilizada para separar os fios no caso de junção evitando problemas com a rede.

Família Nogueira a bem da verdade era o símbolo da comunicação local devido a dedicação do seu Joaquim e as filhas Guilhermina e Branca que trabalhavam como telefonistas na central de serviços.

Meu coração de menino guarda carinhosamente as imagens da velha relojoaria do famoso Joaquim Sudário. Com um jeito todo especial de fala mansa e pausada seu Joaquim atendia os fregueses sempre examinando os relógios e dando o diagnóstico para conseguir a recuperação das maravilhosas máquinas de contar as horas. A gente ficava encantada com a infinidade de relógios pendurados na parede e no balcão todos trabalhando transparecia o som de uma maravilhosa e afinada orquestra sinfónica.

Praça Ribeiro Leite com tantos personagens relata historias maravilhosas no contexto saudoso da Cidade Presépio. Quando o mês de maio chegava, o local abrigava as primeiras procissões de Nossa Senhora. Já no mês de junho vinham as fogueiras e o show de fogos de artificio promovidos pelo casal Benedito Martins (Cabo Martins) e Dona Josela.

Algumas das tradições entre tantas outras desta comunidade feliz. Certa vez... Num distante verão a noite se apresentava tão sublime com o brilhar de estrelas transparecendo por entre as iluminações das pequenas lâmpadas incandescentes nas vias públicas da cidade. Era uma noite de paz com as famílias reunidas nos lares para cumprir o rito de orações e agradecimentos antes do procedimento da Ceia de Natal. Enquanto brincávamos ali no solo desnudo do local mais abaixo surge um grupo de pessoas animadas cantarolando hinos natalinos seguindo uma carruagem com a maravilhosa presença do Papai Noel. A emoção tomou conta do coração menino, finalmente o contato com o maior entre lodos os amigos, fez com que corressemos em direção a carruagem transportando o Papai Noel que em pé fazia soar uma pequena sineta distribuindo sorrisos a lodos os presentes. O pensamento de menino voltou forte naquele momento, será que pela primeira vez a gente poderia conversar com o maior entre todos os amigos? Infelizmente não foi assim, a carruagem passou por nós os meninos e o nosso amigo sequer nos cumprimentou, subindo a Praça nós fomos seguindo a carruagem que a certa altura parou de frente a uma residência e o Papai Noel desembarcou todo sorridente e feliz com um enorme saco de presente as costas. Lembro ainda dos aplausos e cânticos natalinos quando a porta da residência foi fechada e as cenas em seguida ficaram de exclusividade dos convidados. Cenas que me vem a cabeça após tantos e tantos anos fazendo lembrar um trechinho da musica de Assis Valente; - Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel. ou então felicidade é brinquedo que não tem.

Nem um sorriso do bom velhinho, assim eu fui dormir, mas sempre existe uma nova manhã, e ao acordar lá estava o meu caminhãozinho de madeira enfeitadinho bem ao lado dos meus sapatos. Era Natal e com felicidade no rosto desculpei o meu amigo Noel. coitado deveria estar muito cansado ontem à noite. Feliz Natal!

Cronica publicada no jornal "O Santabranquense", nº 791, Santa Branca, 24/12/2011, página 2.
 

13 dezembro 2023

Benção dos Anjos (Vede o pé do Ipê)

Domingo de manhã, um frio intenso marca a forte presença do inverno, ao que parece será mais rigoroso que nos anos anteriores. Pacientemente eu estou aguardando a presença do sol ao que parece timidamente escondido entre a densa neblina dessa manhã domingueira.

Saio de casa portando a minha câmera digital e desço na direção da Rua Nestor Samuel de Oliveira, busco o óbvio igual a tantas pessoas, fotografar a beleza exuberante da mais bela e simpática de todas as árvores da “Cidade Presépio”. Ipê Rosa, plantada na divisa do terreno da Escola Barão de Santa Branca, com a Rua Nestor Samuel de Oliveira. A beleza e a exuberância das flores da grande árvore encantam a todos que passam pelo local, a ponto de transformar-se num verdadeiro cartão postal a parceria entre a árvore e a escola que generosamente oferta a terra onde solidificam suas raízes.

A bem da verdade é que a famosa Escola Barão sempre foi palco das maravilhas da natureza. Do meu tempo de menino lembro que existia uma ala de cedrinhos que caprichosamente eram moldados na forma de muro divisório entre a ala do recreio e a horta que abastecia a cozinha no preparo da merenda escolar preparada pelas mãos mágicas da Dona Benedita Wenceslau. Nos fundos da escola reinava três palmeiras imperiais ao lado da gigantesca paineira impondo a sua altivez ao desabrochar as flores alvas como a névoa da manhã.

As árvores e os cedrinhos constantemente passavam pelas necessárias maquiagens e retoques dos amigos; Sebastião Siqueira Porto e o velho Chico Totó, funcionários da escola na época. Com o progresso e aumento da população escolar houve a necessidade da retirada dos cedrinhos para a construção de mais duas salas de aula anexas. O espaço ficou reduzido e a terra nua sem nenhum arbusto para ornamentar aquele pequeno pedacinho de chão. Foi então que outras mãos generosas fizeram a grande diferença.

A ex-aluna da Escola, Branca Nogueira na época exercendo as funções de servente escolar solicitou da Diretora permissão para plantar uma pequenina muda de “Ipê Rosa” no espaço vazio ao lado das salas de aula recém construídas. Permissão concedida tratou logo de plantar a tenra mudinha da árvore. Carinhosamente como um ato religioso, a amiga e protetora da árvore regava generosamente o solo ao redor a fim de mantê-la saudável.

O tempo passou, quando se deu conta a árvore debutava a sua primeira florada para alegria de todos! Hoje na altivez da sua maturidade a árvore generosamente expõe toda a sua rica vestimenta num espetáculo digno dos mais exigentes observadores. Ipê Rosa, Amarelo, Roxo ou outra cor que o valha mostra toda a magnitude da natureza em breve momento que lhe é permitido desfilar e mostrar toda beleza de uma verdadeira deusa da passarela. São poucos dias do show que somente as câmeras podem registrar e mostrar a qualquer tempo.

Depois da florada vem o tempo do recolhimento na humildade, meses de silencio até a chegada do novo espetáculo. Mas há que se pensar e homenagear além da natureza, as mãos amigas que generosamente plantam e semeiam sem nada cobrar da natureza, além da alegria de olhar um dia o resultado da feliz parceria: Homem e a natureza, convívio pacífico e generosa que começa com pequenos gestos.

Obrigado amiga “Branca do Telefone”, permita-me chamá-la pelo carinhoso apelido que você recebeu quanto atuava como telefonista auxiliando seu pai, o mestre “Joaquim do Telefone”, no velho casarão da Praça Ribeiro Leite, atualmente sede da Associação Esportiva Santabranquense. Se existe alguém que possa receber um sorriso e um gesto de agradecimento do famoso “Ipê Rosa” é você, aliás, dizem algumas testemunhas que já notaram quando você passa pelo local uma leve brisa sopra sobre as folhas da árvore rainha curvando-as em sua direção num gesto de reverência à doadora da vida que é você.

Prezada amiga Branca, eu fico a pensar se cada santabranquense plantasse uma árvore no quintal a nossa cidade realmente dentro de alguns anos faria jus ao título de “Cidade Presépio”, teríamos a qualquer tempo árvores florindo aqui e ali. Afinal a natureza é generosa e sábia ao retribuir com flores e frutos as pessoas que fincam suas raízes no solo fértil da mãe terra. Termino este artigo com um pedido especial as senhoras e senhores vereadores. Elaborar um projeto de Lei visando proteger pelo menos duas árvores símbolos da nossa cidade. “A centenária Mangueira da Santa Casa e o maravilhoso Ipê Rosa da Escola Barão”. Não custará nada aos cofres públicos e fará muito bem a natureza.

Com autorização do autor, Wilson Chaves, e originalmente publicado no jornal,
O Santabranquense, edição de 24 de junho de 2009.

12 dezembro 2023

Anticítera: o primeiro computador do mundo


Cientistas levaram um século para descobrir como funciona um equipamento usado pelos gregos há mais de dois mil anos. A engenhoca está sendo tratada como o primeiro antepassado do computador moderno (a verdadeira tecnologia 1.0).


Várias peças de bronze com inscrições misteriosas foram encontradas em 1901 dentro de um navio romano naufragado em Anticítera (Antikythera), na costa da Grécia. Desde então, os cientistas tentavam desvendar seu significado.

Eles descobriram que as peças formavam um mecanismo – batizado de Antikythera – que deveria funcionar dentro de uma caixa de madeira. Através de tomografias, os cientistas finalmente revelaram que o aparelho era um computador astronômico.

Girando o ponteiro da frente, as engrenagens de bronze se moviam e indicavam, com anos de antecedência, a data precisa de eclipses do sol e da lua. As inscrições também sugerem que era possível conhecer a posição dos planetas no céu.

As sociedades antigas davam muita importância à astronomia, porque ela regia a agricultura e os rituais religiosos.

Somente mil anos depois da invenção do mecanismo Antikythera, o homem foi capaz de criar outro aparelho tão complexo quanto este. Só na Idade Média cientistas conseguiram fazer máquinas tão complexas, que eram usadas como relógios de igrejas.
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Fonte: www.globo.com (29/11/2006)

10 dezembro 2023

A coragem de cobrar caro


"Se você acha que cobrar caro e ficar rico é politicamente incorreto, doe o adicional ou passe a trabalhar menos e volte para casa mais cedo para curtir sua família"

Meu médico me recebeu todo envergonhado pelo atraso de duas horas na consulta marcada.

"Doutor, eu não estou irritado pela espera porque o senhor é simplesmente o melhor médico do país, e eu não sou bobo. Prefiro esperar a consultar o segundo ou o décimo melhor especialista da área."

Isso o tranquilizou. "Eu só acho triste que o melhor médico deste país esteja cobrando o mesmo preço que os outros, tendo de trabalhar o dobro, sem tempo para estudar e ver a família. Eu, como palestrante que sou, cobro dez vezes o preço desta sua consulta, só que nunca chego atrasado."

Ele concordou e balbuciou a seguinte frase, que me levou a escrever este artigo. "Tenho medo de cobrar mais do que os meus colegas. Eles ficariam com inveja, falariam mal de mim, seria um inferno."

No Brasil, a maioria dos empregados e profissionais no fundo tem medo de pedir um aumento de salário ou de cobrar mais caro. Cobrar mais significa criar um cliente mais exigente, que irá reclamar toda vez que o serviço não corresponder ao preço. Cobrar menos é sempre a saída mais fácil, dá muito menos problemas, menos reclamações, como no meu caso. É preciso ter coragem para cobrar mais e assumir as responsabilidades inerentes. A maioria prefere o comodismo e a mediocridade do "preço tabelado". Só que, se cobrar o mesmo que os colegas menos competentes, você estará roubando clientes deles, e é isso que cria inveja e maledicência. Você estará fazendo "dumping profissional", estará sendo injusto com eles e consigo mesmo.

Eu sei que é difícil cobrar mais caro, mas alguém tem de dar o exemplo, mostrar aos outros profissionais o caminho da excelência, implantar novos padrões, como pontualidade, por exemplo. Você será o guru da nova geração, e a inveja que terão de seu novo preço fará com que eles passem a copiá-lo. E, à medida que seus colegas se aprimorarem, sua vantagem competitiva desaparecerá e você terá de reduzir o preço novamente ou então melhorar ainda mais seus serviços.

Somos essa sociedade atrasada porque, entre nós, cobrar caro, ganhar mais do que os outros é malvisto pelos nossos intelectuais, políticos, líderes religiosos e professores de sociologia. O paradigma de sucesso deles é cobrar pouco. Melhor ainda seria não cobrar, oferecendo de graça ensino, saúde, segurança, cultura, aposentadorias, remédios, comida, dinheiro, enfim. De graça, o povo não tem como reclamar dos péssimos serviços, os alunos desses professores não têm como criticar as péssimas aulas. "De cavalo dado não se olham os dentes." Se alguma coisa a história nos ensina é que o "tudo grátis" traz consigo a queda da qualidade dos serviços públicos, a desvalorização do serviço, o desprezo pelo povo nas filas, a exclusão social, a corrupção e a desmoralização de todos os envolvidos.

O programa Bolsa Escola foi criado no governo do PSDB como uma forma inteligente de incentivar as mães a manter os filhos nas péssimas aulas do ensino público. Quando o estímulo deveria ser aulas interessantes a que nenhum aluno curioso iria faltar. Nós administradores já descobrimos há tempos que refeições grátis para funcionários não são valorizadas, e a qualidade despenca. Por isso, cobramos algo simbólico, 10% a 20% de seu valor. Se o ensino fosse cobrado, em pelo menos 10% do valor, teríamos pais de alunos reclamando do péssimo ensino público e gerando pressão por melhoria e redução de custos. Dizer que nem isso dá para pagar é mentira – 10% não chegariam a 20 reais por mês. Tem muito pai que faria trabalho extra pelo orgulho de saber que foi ele quem custeou a educação dos filhos, e não a caridade estatal. Se temos falta de recursos em educação, por que não cobrar pelo menos 10% do valor? Seria falta de coragem ou simplesmente vergonha?

Precisamos mudar a mentalidade deste país, uma mentalidade que incentiva a mediocridade, e o medo de cobrar pelos serviços, por óbvias razões. Se você acha que cobrar caro e ficar rico é politicamente incorreto, como muitos professores têm ensinado por aí, doe o adicional pelo meu site www.filantropia.org ou então passe a trabalhar menos, volte para casa mais cedo e curta sua família. Mas não faça a opção pela pobreza, não tenha medo de cobrar cada vez mais. Caso contrário, continuaremos pobres e medíocres para sempre.
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Stephen Kanitz é formado pela Harvard Business School (www.kanitz.com.br)
(Revista Veja, 21/10/2006)

15 dezembro 2017

O Futuro da Ciência no Mundo


I Fórum da Unesco sobre Ciência e Cultura 

Ciência e as Fronteiras do Conhecimento: Prólogo do Nosso Passado Cultural 

Veneza, Itália, 3 a 7 de março de 1986

Em cooperação com a Fondazione Giorgi Cini, a UNESCO promoveu em Veneza Itália, de 3 a 7 de março de 1986, um Simpósio sobre "Ciência e as fronteiras do conhecimento: prólogo do nosso passado cultural". O Simpósio, que reuniu 19 participantes de todas as partes do mundo e de distintas especialidades, culminou com um documento que sintetiza as discussões havidas e que passou a ser conhecido como a

DECLARAÇÃO DE VENEZA


1. Estamos testemunhando uma importante evolução no campo das ciências, resultante das reflexões sobre ciência básica (em particular pelos desenvolvimentos recentes em física e em biologia), pelas mudanças rápidas que elas ocasionaram na lógica, na epistemologia e na vida diária mediante suas aplicações tecnológicas. Contudo, notamos ao mesmo tempo um grande abismo entre uma nova visão do mundo que emerge do estudo de sistemas naturais e os valores que continuam a prevalecer em filosofia, nas ciências sociais e humanas e na vida da sociedade moderna, valores amplamente baseados num determinismo mecanicista, positivismo ou hilismo. Acreditamos que essa discrepância é danosa e, na verdade, perigosa para a sobrevivência de nossa espécie.

 2. O conhecimento científico, no seu próprio ímpeto, atingiu o ponto em que ele pode começar um diálogo com outras formas de conhecimento. Nesse sentido, e mesmo admitindo as diferenças fundamentais entre Ciência e Tradição, reconhecemos ambas em complementaridade e não, em contradição. Esse novo e enriquecedor intercâmbio entre ciência e as diferentes tradições do mundo abre as portas para uma nova visão da humanidade e, até, para um novo racionalismo, o que poderia induzir a uma nova perspectiva metafísica.

 3. Mesmo não desejando tentar um enfoque global, nem estabelecer um sistema fechado de pensamento, nem inventar uma nova utopia, reconhecemos a necessidade premente de pesquisa autenticamente transdisciplinar mediante uma dinâmica de intercâmbio entre as ciências naturais, sociais, arte e tradição. Poderia ser dito que esse modo transdisciplinar é inerente ao nosso cérebro pela dinâmica de interação entre os seus dois hemisférios. Pesquisas conjuntas da natureza e da imaginação, do universo e do homem, poderiam conduzir-nos mais próximo à realidade e permitir-nos um melhor enfrentamento dos desafios do nosso tempo.

 4. A maneira convencional de ensinar ciência mediante uma apresentação linear do conhecimento não permite que se perceba o divórcio entre a ciência moderna e visões do mundo que são hoje superadas. Enfatizamos a necessidade de novos métodos educacionais que tomem em consideração o progresso científico atual, que agora entra em harmonia com as grandes tradições culturais, cuja preservação e estudo profundo são essenciais. A UNESCO deve ser a organização apropriada para procurar essa idéias.

 5. Os desafios de nosso tempo o risco de destruição de nossa espécie, o impacto do processamento de dados, as implicações da genética, etc. jogam uma nova luz nas responsabilidades sociais da comunidade científica, tanto na iniciação quanto na aplicação de pesquisa. Embora os cientistas possam não ter controle sobre as aplicações das suas próprias descobertas, eles não poderão permanecer passivos quando se confrontando com os usos impensados daquilo que eles descobriram. É nosso ponto de vista que a magnitude dos desafios de hoje exige, por um lado, um fluxo de informações para o público que seja confiável e contínuo e, por outro lado, o estabelecimento de mecanismos multi e transdisciplinares para conduzirem e mesmo executarem os processos decisórios.

 6. Esperamos que a UNESCO considere este encontro como um ponto de partida e encoraje mais reflexões do gênero num clima de transdisciplinaridade e universidade.

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Signatários: A. D. Akeampong (Ghana; físico-matemático); Ubiratan D’Ambrósio (Brasil; educador matemático); René Berger (Suíça, crítico de arte); Nicoló Dallaporta (Itália; físico); Jean Dausset (França; Prêmio Nobel de Medicina); Maitraye Devi (Índia; poetisa); Gilbert Durand (França; filósofo); Santiago Genovês (México; antropólogo); Akshai Margalit (Israel; filósofo); Yujiro Nakamura (Japão; filósofo); David Ottoson (Suécia; Presidente do Comitê Nobel de Filosofia); Abdus Salam (Paquistão; Prêmio Nobel de Física); L. K. Shayo (Nigéria; matemático); Ruppert Sheldrake (Inglaterra; bioquímica); Henry Stapp (USA; físico); David Suzuki (Canadá; geneticista); Susantha Goonatilake (Sri Lanka; antropologia cultural); Besarab Nicolescu (França; físico); Michel Random (França; escritor); Jacques Richardson (USA; escritor); Eiji Hattori (UNESCO; Chefe do Setor de Informações); V. T. Zharov (UNESCO; Diretor da Divisão de Ciências).

22 julho 2016

07 abril 2016

A fonte tipográfica misteriosa

Ninguém parecia notá-lo ali: um homem sombrio que costumava repousar à beira da ponte Hammersmith (acima), nas noites de 1916, em Londres. E ninguém parecia notar que, durante essas visitas, ele estava jogando algo no rio Tâmisa. Algo pesado.
Ao longo de mais de cem viagens noturnas ilícitas, este homem cometia um crime: contra o seu parceiro, dono de metade do que era arremessado ao Rio Tâmisa; e contra ele mesmo, que motivou a criação daquilo que ele resolveu jogar fora. Este indivíduo venerável, fundador da lendária editora Doves Press e a mente por trás da fonte Doves, era um homem chamado T.J. Cobden Sanderson. E ele estava jogando dentro do rio as fontes de metal cuja criação ele supervisionou meticulosamente.
Sendo uma presença importante no movimento Arts and Crafts da Inglaterra, Codben Sanderson defendeu o trabalho manual contra a industrialização. Ele era brilhante e criativo, e de algumas maneiras, um ludita — porque ele acreditava que assim que morresse, a tipografia criada por ele seria vendida pelo sócio com quem ele brigava, para uso em impressoras industriais.
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Alfred, Lord Tennyson, Sete Poemas e Duas Traduções, Doves Press 1902.
Assim, noite após noite, ele deixava seu legado no rio, ferrando metade do trabalho do sócio e destruindo para sempre uma tipografia bela e lendária. Pelo menos era nisso que ele acreditava.

***

Depois de quase cem anos, em novembro do ano passado, um grupo de antigos funcionários do exército – que hoje trabalham para o Porto de Londres – se juntaram para descer ao fundo do Rio Tâmisa em busca de pequenos pedaços de metal, talvez centenas de milhares deles, que Cobden Sanderson jogou dentro do rio muitos anos atrás.
Eles fizeram isso a comando e custo de Robert Green, um designer que passou anos pesquisando e recriando a fonte perdida, que hoje está disponível no Typespec. Conforme Green me disse em uma conversa por telefone, o Porto de Londres hesitou em permitir que seu grupo de mergulhadores buscasse a tipografia perdida. “A preocupação deles era que eu fosse um sujeito maluco procurando por uma agulha em um palheiro e gastando um monte de dinheiro com isso”, disse rindo.
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Cortesia de Robert Green
Não é difícil entender como Green parecia maluco. Um civil oferecendo pagamento para que mergulhadores da cidade buscassem destroços nas profundezas lamacentas do Rio Tâmisa, talvez por semanas, procurando por pequeninos pedaços de metal que foram jogados lá por um designer ensandecido há mais de cem anos? É, parece bem maluco.
No final das contas, demorou apenas vinte minutos para que eles começassem a encontrar pedaços das fontes de metal.
Green passou anos pesquisando a história de Cobden Sandeson, usando psicologia forense para compreender os atos do homem que viveu cem anos atrás, estudando como e onde ele teria jogado as peças. Green limitou o local de busca em uma pequena porção do rio, e foi lá que os mergulhadores encontraram a maioria das peças. “Eles gostaram muito da ideia”, lembra Green. “Eles queriam encontrar algo, e encontraram”.
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Cortesia de Robert Green
Nos dois dias de mergulho, eles encontraram centenas de peças de tipografia, conforme documentado por Justin Quirk do The Sunday Times, que participou do mergulho. Mas não se tratava do conjunto completo. Green lembra que a Ponte Hammersmith foi alvo de dois bombardeios do Exército Republicano Irlandês, sendo que um deles fez as águas do rio atingirem ondas de quase 20 metros de altura, depois que uma mala carregando explosivos foi despejada próximo ao local onde foram arremessadas as peças de tipografia.
Por isso, as peças de metal poderiam ter se espalhado por outros lugares do rio. É também possível que algumas delas tenham sido incorporadas ao concreto que é derramado nos arredores da ponte para reparos.
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Foto por Dafinka/Shutterstock

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Hoje, fontes tipográficas são basicamente pedacinhos de código binário em nossos computadores. Mas a era da fonte digital é nova, contando apenas com algumas décadas.
Cobden Sanderson e o sócio dele, Emery Walker, fundaram a Doves Press em 1900. Walker era um homem de negócios, com muitas preocupações no mundo, mas Cobden Sanderson era o perfeccionista criativo — um homem obcecado com autenticidade e arte. Juntos, eles comissionaram uma fonte para a imprensa deles, baseada na fonte Venetian do século XV. Isso significava ter de pagar um “cortador” para criar “punhos” de metal para cada letra da fonte — da qual uma matriz seria criada ao apertar uma peça de cobre no punho de metal. Depois, a fonte poderia ser inserida na matriz.
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Fotografia de Sam Armstrong, cortesia do Sunday Times
A fonte deles foi criada em 1899 e a dupla a usaria para criar belos livros encadernados à mão, e projetados com o equilíbrio perfeito entre trabalho manual e utilidade moderna. Cobden Sanderson era um pouco esnobe, no sentido de apenas querer permitir que as melhores literaturas fizessem uso da fonte dele – apenas “as mais belas palavras”. Eles imprimiram Paraíso Perdido. Eles imprimiram a Bíblia inglesa. Hoje, cópias destes livros são extremamente raras, e custam milhares de dólares em leilões.
Mas em pouco tempo, a Doves Press estaria em apuros. De acordo com informações da TypeSpec sobre a parceria, Walker queria fechar a empresa e dividir o metal — milhares de quilos dele — da tipografia entre ele e Cobden Sanderson, e cada um seguiria o próprio caminho depois disso.
Conforme explica o Sunday Times, eles chegaram a um acordo que Cobden Sanderson manteria a fonte até o momento de sua morte, e Walker seria o dono depois disso. Mas a ideia de que um trabalho feito por ele cairia nas mãos de Walker o horrorizava. Por isso, no decorrer dos anos seguintes, ele decidiu colocar um plano em ação – um plano que privaria Walker de receber a parte dele do acordo.
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Cortesia de Robert Green
“Ele levou alguns anos até decidir jogar a fonte fora: ele ruminou por anos se deveria fazer isso ou não”, diz Green. Ele escreveu sobre a possibilidade em longos diários (“ele seria considerado alguém que compartilha demais” hoje, conta), deixando para trás informações detalhadas sobre este tumultuado pensamento. No fim, ele decidiu que preferia destruir a fonte a vê-la feita em uma equivalência mecânica de sua versão original. “Ele se apaixonou pela ideia”, alega Green. Foi o próprio Cobden Sanderson quem disse: “Se Emery Walker quer encontrá-la, ele terá que mergulhar”.

***

Green passou anos pesquisando a tipografia da Dove Press — ele até a reprojetou, depois de milhares de desgastantes horas de pesquisa, e a publicou em 2013 como uma fonte digital chamada de Doves Type, que qualquer pessoa pode comprar.
No entanto, há mais ou menos um ano, ele começou a se perguntar se existiam destroços da tipografia que poderiam ser resgatadas do rio. “As pessoas diziam que ninguém nunca as encontrou”, ele diz. “Mas também não encontrei nenhum registro que alguém havia tentado procurar por elas”.
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A fonte atualizada, cortesia de Robert Green.
O que nos traz a uma ótima questão: por que motivo alguém procuraria por ela? O que a tornava tão especial, tão valiosa para ser salva?
A Doves Press era uma entidade única, mas, de algumas formas, espelha o que acontece nos dias de hoje no mundo do design. No início da era moderna, a Doves foi fundada para preservar uma arte que tinha centenas de anos de idade. Mas ela também estava destinada a fracassar, ficando marcada na história como uma excentricidade que morreu assim que impressoras mecânicas chegaram ao mercado. Ela valorizava algo acima de tudo: fazer as coisas à mão e com total dedicação.
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‘Oenone’, Alfred, Lord Tennyson, Sete Poemas e Duas Traduções, Doves Press 1902.
Para Green, que trabalhou no mundo do design desde que era jovem, a glorificação que o movimento Arts & Crafts dava a trabalhos feito à mão existe até hoje. “A revolução industrial os assustou”, ele diz sobre os designers daquele período, expondo como a digitalização desvalorizou o trabalho de designers até os dias de hoje. “Uma parte inteira da classe média é afetada”, diz. “O design gráfico está completamente desvalorizado. É muito difícil se manter sendo um designer”.
Métodos tradicionais estão novamente se popularizando. “As pessoas estão retomando a arte da impressão manual para se manter”, diz Green, mais ou menos como fizeram Cobden Sanderson e seus contemporâneos. Não só por causa da autenticidade que ela dá ao trabalho, mas também, diz Green, “porque é divertido”.

***

É estranho imaginar que um designer nascido cem anos depois de Cobden Sanderson reconstruiu o trabalho de vida dele.
E de alguma maneira, Green remedia a briga entre Cobden Sanderson e Emery Walker, o parceiro dele. Ao invés de vender as peças de metal da tipografia que ele resgatou do Rio Tâmisa, ele manterá metade e dará o restante para a Emery Walker Trust, entidade que transformou a antiga casa de Walker em um museu sobre o trabalho dele. Cem anos atrás, Cobden Sanderson disse que Walker teria que mergulhar para conseguir a parte dele do trabalho. Estranhamente, ele terá a metade que tem direito, graças à generosidade de Green.